PINHAL LITORAL
Catedral Verde e sussurrante, aonde / A luz se
ameiga e se esconde / e aonde, ecoando a cantar, /
se alonga e se prolonga a longa voz do mar: /
ditoso o “Lavrador” que a seu contento / por suas
mãos semeou este jardim; / ditoso o Poeta que
lançou ao vento / esta canção sem fim... (….)
Encantado jardim da minha infância, / aonde
a minh’alma aprendeu; / a música do Longe e o
ritmo da Distância / que a tua voz marítima lhe
deu; / místico órgão cujo além se esfuma / no além do Oceano, e onde a maresia
/ ameiga e dissolve em bruma, / e em penumbra de nave, a luz do dia. / Por estes
fundos claustros gemem / os ais do Velho do Restelo... / Mas tu debruças-te no
mar e, ao vê-lo, / teus velhos troncos de saudades fremem... (…)
Pinhal de heróicas árvores tão belas, / foi do teu corpo e da tua alma também / que
nasceram as nossas caravelas / ansiosas de todo o Além; / foste tu que lhe deste
a tua carne em flor / e sobre os mares andaste navegando, / rodeando a terra e
olhando os novos astros, / ó gótico Pinhal navegador, / em naus, erguida, levando /
tua alma em flor na ponta alta dos mastros!...
(…) Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar!
Na sussurrante e verde catedral
oiço rezar a alma de Portugal:
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos
sonâmbulos de surda ansiedade,
no roxo da tardinha,
abre a flor da Saudade;
ela aí vem, sozinha,
dorida do naufrágio
e dos escolhos,
viúva de seus bens
e pálida de amor,
arribada de todos os aléns
de este mundo de dor;
ela aí vem, sozinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espalha e esconde
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do mar.
Afonso Lopes Vieira,
Ilhas de Bruma,
Coimbra: F. Amado,
1917, pp. 75 a 78
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