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COVA DA BEIRA
Numa aldeia da Beira Baixa, (…), quando a força da
canícula entra até pelas frestas mais estreitas da
noite e nos impede de dormir, uma melodia sobe
no clarão da lua (…) À minha mãe e àquele lugar
onde os meus sentidos despertaram para uma
luz atravessada por um chiar de carros de bois
pelas quelhas, a caminho das terras baixas dos
lameiros. (…) confunde-se com a cor doirada do
restolho e daquela terra obscura onde emergem
uns penedinhos com giestas à roda, e alguns
sobreiros de passo largo a caminho do Alentejo. Mas também os olivais de
muros baixos de pedra solta (…) Lembro-me do cheiro dos lagares, das queijeiras,
do forno, da forja – eram cheiros que entravam pelas narinas como tantos
outros, (…) como ficou o aroma das estevas e do feno. E ainda o das folhas secas
dos castanheiros, trazidas às carradas e despejadas ao lado do balcão (….) toda
a gente, por carreiros e quelhas de sombra, havia já regressado dos campos, o
cheiro a coentros não tardaria a subir da panela.
(…) Essa poesia teve origem nestas terras, entre a luz esfarelada e a poeira
levantada por cabras e ovelhas, rompeu nos olhos daquela gente,
despertou com o calor doutros corpos em enxergas
de folhelho ou sobre a palha rala de alguma
choça de pastor.
Eugénio de Andrade,
Da palavra ao silêncio
,
in Poesia e Prosa, II vol., Ed. O Jornal, 1990,
pp. 278, 279, 281 e 282
Fundão
Belmonte
Covilhã
REGIÃO CENTRO
Cova da Be i ra