REGIÃO CENTRO
Be i ra I nter i or Su l
BEIRA INTERIOR SUL
Os dias corriam como se tudo no mundo estivesse
previsto e fosse regulado por um génio enfastiado
a quem faltasse imaginação: o nevoeiro que vinha
no fundo dos vales, denso e viscoso, isolando o
morro; o vento que o agitava, perseguindo-o por
cima dos penedos até o céu ficar varrido e azul; o
sol, o sol verde e oiro da planície, dos lameiros,
da Gardunha, da Estrela, da serra da Gata
com os píncaros bordados de neve, enquanto
as ruas esconsas da vila ficavam sepultadas em
sombra e frio até ao pino do Verão. Raízes e
nuvens chupando a terra; campos endurecidos pela calma, onde brotavam ervas
maninhas. E sempre o vento de Espanha a trepar a cordilheira da raia, mal
roçando a planície requentada, guardando-se inteiro para fustigar o morro.
Terras alqueivadas, terras lavradas, ganhões obrando o milagre de germinar
sementes, feiras para vender os bois e os porcos e para se beber um golo de
vinho. Rebanhos de longe atravessando searas alheias, perseguidos por ganhões
mercenários; rebanhos de mal andar. E o trabalho, as esperanças perdidas, a
magreza, a fome todo o ano. Sezões e tifos. Sonhos e raivas encobertos em xales
e saias escuras, em fatos de bombazina de contrabando, gente de luto. Homens
como bichos fugindo aos tiros da fronteira.
Um horizonte fechado. A vida repetindo-se
como um rio que volta à origem.
Fernando Namora, in “
A noite e a madrugada”,
Ed. Verbo,
s.d., pp. 115-116